Sem Treta

Viver a ajudar

São jovens, têm vidas normais como o leitor e nós. Trabalham, estudam, passeiam, têm amigos e famílias. Nestas vidas ocupadas e preenchidas há algo em comum: a vontade de ajudar os outros. São rostos que geralmente desconhecemos, são anónimos, trabalham na sombra. Este mês damos-lhe a conhecer o perfil de cinco jovens diferentes, mas unânimes no mesmo pensamento: um voluntário recebe muito mais do que aquilo que oferece.

 

Inês Faria, uma jovem de 22 anos, é escuteira e confessa que o voluntariado é uma realidade muito presente na sua vida.

“Sempre fiz voluntariado no âmbito do escutismo. É uma coisa muito natural para mim este tipo de projetos”, disse a jovem.

Juntamente com duas amigas, Andreia Miranda e Bárbara Alves, criaram um projeto que visa complementar a educação das crianças de etnia cigana com as áreas de progresso de um escuteiro.

“O contexto atual da educação é sempre na sala de aula. Assim sendo, há muitas coisas que passam ao lado. Mesmo dentro dos programas educativos, há muita coisa em que eles não têm possibilidade de se focar por causa do tempo letivo”, explicou a voluntária. 

O projeto é aplicado no Centro Social Abel Varzim, em Barcelos, dois dias por semana.

“Desenvolvemos atividades, jogos e várias atividades mais práticas. Também levamos vários convidados de áreas distintas, mostrando que há muita coisa que eles podem fazer no futuro. Queremos dar a entender que há muitas possibilidades para o futuro deles e que podem perfeitamente ir para a universidade. Eles têm reagido muito bem”, adiantou a jovem.

Inês confessa que, com o voluntariado, aprendeu a gerir o tempo e a desenvolver capacidades de interação. 

“Nós estamos sempre a aprender. Atualmente, com as crianças, nós aprendemos muito e eles aprendem muito connosco. Estamos em pé de igualdade”, refletiu a voluntária. 

 

Maria de Cezar tem 33 anos e chegou a Portugal em outubro do ano passado. 

Veio do Brasil, e como a documentação ia demorar e não tinha autorização para começar a trabalhar, resolveu fazer voluntariado. 

“Num primeiro momento queria ajudar os outros e depois percebi que era uma ajuda para mim mesma. Uma forma de preencher o meu tempo com alguma coisa útil. Desde o início que Braga me recebeu de braços abertos”, disse.

Maria inscreveu-se na Refood na mesma semana em que chegou a Portugal. Para além desse projeto, dá aulas de informática a idosos. Trata-se de um projeto do Banco de Voluntariado de Braga. Uma vez por semana os idosos aprendem a trabalhar, por exemplo, no Word ou no Excel.

“Sinto que eles estão lá não pela informática mas para preencher o tempo com coisas saudáveis para a mente e pelo convívio social”, referiu a voluntária.

Maria diz que no voluntariado recebe-se “muito mais”. “Há uma pessoa lá que, quando a abraço, é como se tivesse o carinho da minha avó que está no Brasil. Eu até lhes queria dar mais, mas são eles que me dão”, afirma. 

A voluntária explica que a convivência com os idosos lhe mostra a sabedoria dos mais velhos.

“É algo que é para continuar pela vida toda. Digo a toda a gente para fazer trabalho voluntário. Só traz o bem. É uma maneira de retribuir o acolhimento que tive dos portugueses e da cidade”, concluiu Maria. 

 

Luís Leite tem 34 anos e, desde pequeno, sempre participou em ações de voluntariado.

Quando trabalhava em Maputo, viu no Facebook uma organização que se dedicava à educação não formal através do futebol.

A Favela-United trabalha com crianças de uma comunidade em Maputo, usando o futebol como veículo de educação. 

“Para nós parece não ter muita importância, mas lá tem uma importância muito grande”, disse Luís. 

O projeto acompanha ainda as famílias e as crianças que têm muitas dificuldades económicas. 

“Garante que vão à escola e que se alimentam. Naquela realidade os pais não têm a mesma preocupação dos pais ocidentais”, confessa o voluntário. 

Na organização as pessoas que trabalham com as crianças são todas locais, mesmo os treinadores. Desta forma o projeto está a ajudar a comunidade.

Luís explica que o seu maior propósito é ajudar aquelas crianças a terem uma vida “normal”.

“Eu tenho sempre a intenção que eles recebam mais do que aquilo que eu possa receber. Faz-nos bem sempre dar alguma coisa e também recebermos algo em troca”, refere o jovem. 

O voluntário explica que os moçambicanos ensinam que a persistência é uma coisa fundamental na vida. Luís leva esse ensinamento como mote para o projeto. 

“Aprendi que não podemos ficar à espera que as coisas aconteçam, temos de ir atrás delas se queremos que se realizem. Moçambique dá-nos esta vontade de fazer as coisas. Não podemos desistir à primeira”, concluiu. 

 

Bárbara tem 20 anos e começou a fazer voluntariado quando mudou de cidade. 

Ao chegar a Braga apercebeu-se que “podia e devia fazer muito mais”.

Foi através de uma familiar que conheceu a Associação para a Defesa dos Animais e Ambiente de Vila Verde. 

A jovem tem uma grande paixão pelos animais e já faz parte da equipa de voluntários desde 2015. 

Bárbara explica que, quando chegou à associação, o “pior” trabalho já tinha sido feito: a conquista de mais apoios, de mais condições para os cães que recolhiam da rua ou que eram abandonados junto do abrigo.

“Este projeto passa então por proteger os animais, resgatá-los da rua ou de casos de maus tratos e promover a sua adoção. Mas, infelizmente, este é um trabalho que nunca acaba. Mesmo com a criação e atualização de legislação, mesmo com todos os esforços para a consciencialização das pessoas para o facto de os animais serem seres vivos que precisam de cuidados e amor, a situação pouco se altera”, refere a voluntária.

A jovem confessa que, ao fazer voluntariado, há a sensação de dever cumprido. 

“Saber que o tempo e dedicação que entregámos aos animais, pode resultar numa adoção, num final feliz para um patudo que já foi maltratado, abandonado ou que simplesmente teve o azar de nascer na rua, é o maior dos retornos”, diz Bárbara.

A voluntária afirma ainda que um voluntário tem de ser e estar “no sentido mais literal da palavra”. 

“Infelizmente, aprendi que a maldade humana não tem limites. E o número de casos de maus tratos e abandono dos animais são a prova disso”, lamenta a jovem. 

Para Bárbara o melhor “pagamento” do seu trabalho são os sorrisos e as caudas a abanar. 

 

João Ferreira tem 33 anos e faz voluntariado pelo menos desde os 21 em associações desportivas e juvenis. Neste momento, para além da sua profissão, dedica o tempo livre à Coração Azul, uma associação juvenil localizada em Vizela.

A Coração Azul nasceu há oito anos pela vontade de vários jovens que não conseguiram ficar indiferentes à realidade animal da cidade. Fruto da proatividade do grupo, a associação hoje atua em várias áreas. 

Recolhem, cuidam e tratam  de animais de rua. Têm uma componente educativa que os leva até às escolas, onde efetuam ações sensibilização e formação. A associação tem ainda uma academia de treino canino, que ajuda os donos a perceber e a ajudar os seus animais. Um projeto de biodiversidade, que mapeia espécies selvagens e comunica a importância da preservação e manutenção da biodiversidade, soma-se à conta. E como se isto fosse pouco, a Associação tem implementado o projeto “Patinhas Carenciadas”, que ajuda pessoas referenciadas pela Segurança Social com animais domésticos: a Coração Azul presta-lhes apoio alimentar, veterinário, social e psicológico.

Trabalho não falta, mas João não se queixa e quer continuar, apesar dos constrangimentos económicos que muitas vezes a Associação enfrenta. O orçamento anual nunca ultrapassa os cinco mil euros e não chega para fazer face às despesas.

“Trabalhamos na sombra. Muitas vezes são questões sociais que não importa nem é interessante divulgar publicamente porque estamos a trabalhar com as emoções das pessoas e temos sempre de respeitar a sua privacidade. Vamos mostrando as conquistas e pontos positivos”, explica.

João é formado em Comunicação e acredita que a área de formação ajudou ao bichinho do voluntariado, depois de ter contactado com diversas realidades e necessidades ao longo da vida. É com o conhecimento da área que vai ajudando outras associações que lhe pedem ajuda.

“À medida que fui conhecendo as associações, sobretudo as locais, e estamos a falar de um universo de 24 mil habitantes, fui sentindo as dificuldades dos outros. Nós passamos oito anos a pedir ajuda a toda a gente, por isso sei o que é precisar e pedir ajuda. Quando as pessoas me pedem tenho dificuldades em dizer que não”, diz.

Este voluntário não hesita quando diz que quem dá recebe muito mais do que aquilo que oferece.

“Os voluntários são os que recebem mais porque se trata de uma aprendizagem brutal, em termos de crescimento e cidadania. Ficamos extremamente ricos, é uma escola de vida que nenhuma escola ou universidade ensina. Essa capacidade de ajudar o próximo é a maior aprendizagem que uma pessoa pode retirar do voluntariado”, concluiu.

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