© Pedro Seromenho
Sem Treta

Braga: um universo de artistas

No passado mês de novembro, a cidade de Braga celebrou a IV edição do “Braga em Risco”, um evento que nasceu há quatro anos com a finalidade de apresentar e dar a conhecer a grande variedade de artistas gráficos, desenhadores e ilustradores bracarenses. O encontro que decorreu nos vários espaços, museus e escolas do centro da cidade, contou com diferentes exposições, oficinas, workshops, apresentações de livros e muito mais. Uma iniciativa destinada a promover o trabalho de artistas, entre eles Pedro Seromenho e Sérgio Ribeiro, dois profissionais da ilustração que fazem parte da equipa da Editora Paleta de Letras, com quem mergulhamos no universo da ilustração do livro infantil.

O papel do ilustrador remonta à antiguidade, onde os livros e manuscritos já eram acompanhados com algumas imagens, que no momento se tratavam de obras únicas feitas à mão. Não foi até à chegada da imprensa, no século XV, e da Revolução Industrial, no século XIX, que surgiram novas técnicas e materiais que marcaram um novo ciclo para o mundo das artes, da cultura e da ilustração. Na atualidade, há vários tipos de ilustração, onde cada artista se molda de forma diferente, dependendo do seu estilo. No caso da ilustração editorial, o ilustrador é o artista gráfico que tem o trabalho de acrescentar algo mais à história. “O ilustrador tem que ler o texto, tem que repensar e recriar no seu imaginário a partir das palavras. Então vão nascendo as ilustrações, as imagens e as cores”, afirma Pedro Seromenho, ilustrador da Paleta de Letras e curador do “Braga em Risco”, acrescentando que a ilustração tem múltiplas vertentes, que podem ir desde a científica à publicitária, até chegarmos à ilustração editorial.

A missão do ilustrador editorial é sair do texto e contar outra história através dos seus desenhos, o que nem sempre é fácil de conseguir, já que deve existir uma linha de comunicação entre o autor e o escritor, o que nem sempre acontece. “Cada um tem o seu domínio, o seu território, mas o livro ganha quando há comunicação entre ambos. Entre o escritor e o ilustrador. Sente-se num livro quando há essa comunicação, quando ela pode funcionar em prol do leitor, e realmente aí torna-se mais fácil o trabalho”, acrescenta Pedro Seromenho. O correto é que exista uma conjugação interpretativa entre a ilustração e o texto. Neste sentido, o ilustrador deve “ter alguma sensibilidade para saber quando é preciso acrescentar algo ao texto e quando é preciso, se calhar, deixar o texto falar mais alto”, acrescenta o ilustrador e também designer, Sérgio Ribeiro.

© Sérgio Ribeiro

Viver só da ilustração não é fácil, ainda hoje existem muitas barreiras e em Portugal “são cada vez menos os ilustradores que se dedicam só à ilustração de livro infantil”, comenta Pedro Seromenho, ao mesmo tempo que acrescenta que “a maior parte fá-lo por amor, por dedicação. E vão ultrapassando as barreiras. Muito por culpa da arte e da paixão que têm por ela”. Portanto, há muitos ilustradores que optam por terem outro trabalho que esteja ligado à ilustração, ou numa outra área, como por exemplo, o design. Esse é o caso de “Carla Nazareth, que tem o blogue Nós na Linha. Começou a fazer projetos de ilustração para livros. Mas, para complementar, e também por paixão, decidiu também tirar o curso de designer de interiores. Tem então agora uma empresa que se desdobra no design e na ilustração”, diz. Assim, há outros casos similares de ilustradores que começam no design e tendem mais para a ilustração e vice-versa, outros dão aulas, fazem workshops e oficinas mas, regra geral, vê-se muito esse complemento.

Para o ilustrador é sobretudo importante dar-se a conhecer em tudo aquilo que sejam exposições, prémios, coletivas, concursos e diversos eventos onde lhes seja possível criar uma rampa de lançamento para o seu trabalho. O lado positivo é que há cada vez mais eventos desse género, que Pedro Seromenho salienta, convidando sobretudo os ilustradores mais jovens a participarem. “Devem participar, devem tentar a sorte. Tentar abrir as portas que existem. Muitas vezes não é fácil abri-las. E é preciso resiliência, persistência e paixão. Esses eventos que existem dão alguma visibilidade e algum conhecimento, porque vão interagindo com outros ilustradores já profissionais e com experiência no mercado”, sublinha. As redes sociais, os portefólios online e as novas tecnologias também têm vindo a ser uma boa solução: não só abriram novas formas de trabalhar, mas também servem de ferramenta para que os artistas promovam os seus trabalhos e ganhem visibilidade.

“Hoje em dia o ilustrador é um autor por direito. As coisas estão mais equilibradas, até ao nível de pagamentos e de direitos no livro. Hoje em dia o ilustrador é um autor, recebe direitos autorais, por isso acho que as coisas vão mudar para um bom caminho”

Para muitos ilustradores, um grande golpe de realidade é ter consciência de que os inícios são sempre muito complicados. Portugal é um país pequeno onde há poucas editoras que apostam na componente ilustrativa, portanto é difícil, sobretudo para os jovens artistas, encontrar um espaço que lhes permita continuar com o sonho de ilustrar. Em relação a isto, Sérgio Ribeiro aconselha a que os principiantes tomem iniciativas, como “fazer um fansite, ou pegar num texto já escrito e fazer um pequeno livro ilustrado, em que consigam já chegar com um produto quase final que possam mostrar às editoras”, de forma a que as editoras consigam avaliar num contexto muito mais amplo não só a técnica, mas também como foi ilustrado um texto, conhecendo um pouco da sensibilidade do artista e a interpretação que este é capaz de conferir a um texto.

Mesmo com as dificuldades que um ilustrador possa encontrar no caminho, a verdade é que com o tempo as mentalidades mudaram, o que fez com que o trabalho do ilustrador começasse a ser cada vez mais respeitado. Antigamente o ilustrador tinha um papel secundário em relação ao escritor, tanto que nenhum nome dos ilustradores aparecia nos livros, mas gradualmente as coisas começaram a mudar. “Hoje em dia o ilustrador é um autor por direito. As coisas estão mais equilibradas, até ao nível de pagamentos e de direitos no livro. Hoje em dia o ilustrador é um autor, recebe direitos autorais, por isso acho que as coisas vão mudar para um bom caminho”, afirma Pedro Seromenho. Há livros que até vivem da ilustração e do potencial que o ilustrador conseguiu tirar do texto. 

Em Braga existe todo um universo de ilustradores, onde encontramos nomes conhecidos como o de Sebastião Peixoto, Zita Pinto, Ângela Vieira e também os de Pedro Seromenho e Sérgio Ribeiro. Agora estão a surgir novas gerações de ilustradores, onde entram também os alunos da Escola Superior em Design do IPCA. Há cada vez mais curiosos, pessoas que se interessam pela arte e apoiam a ilustração: foi assim que nasceu a iniciativa para o encontro de ilustradores “Braga em Risco”, como afirma Seromenho.

“Começou como uma coletiva, a Braga 22×22, em que convidamos 22 ilustradores para a primeira edição, e depois cada um sugeriu oficinas, apresentação de livros, workshops, ateliês e exposições. A partir dali começamos a desenhar o programa do encontro. De edição em edição fomos acrescentando membros à família, que foi crescendo e hoje já é um grande encontro”, diz. O “Braga em Risco” é um evento que enche de cores a cidade de Braga com as ilustrações dos artistas locais e também de todos aqueles artistas que a visitam.

Em 2020, o “Braga em Risco” vai continuar a crescer. A próxima edição vai consolidar-se com a Bienal de Ilustração/Prémio do Eixo Atlântico, destinada a homenagear aos ilustradores da região Norte de Portugal e Galiza, concretizando assim o sonho de abrir as portas à internacionalização do encontro, juntamente com o desejo de despertar a curiosidade de mais artistas internacionais.

 

 

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