© Avelino Lima
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Está-lhe no sangue!

O jornal Diário do Minho (DM) iniciou em fevereiro uma nova rubrica, intitulada “A Música em Conversa”. Em direto no Facebook e no YouTube do DM, o jornalista José Carlos Ferreira entrevista todos os meses um artista da região, onde a conversa e a música formam um só corpo ao longo de trinta minutos. A primeira edição aconteceu no passado dia 12 e o convidado foi Daniel Pereira Cristo.

A música tradicional galaico-portuguesa, nomeadamente a que povoa este noroeste peninsular, corre nas veias do Daniel Pereira Cristo.

Por muito que ele queira distanciar-se destes registos musicais, o ADN dos cordofones, dos aerofones, das precursões será sempre mais forte, até nas interpretações que faz de temas tradicionais de regiões próximas do Minho. Já o tínhamos notado no seu primeiro trabalho discográfico Cavaquinho Cantado. Agora temos a certeza neste seu segundo trabalho com o qual nos presenteia.

“Arriba o Monte” é o exemplo claro disto mesmo. Na sua voz e na forma como interpreta em termos musicais percebemos as vozes e os instrumentos das gentes da Beira Alta que, de geração em geração, perpetuaram esta canção tantas vezes ao ritmo dos adufes. Daniel Pereira Cristo podia ter seguido a linha da recriação do “Arriba o Monte” feita pela Brigada Victor Jara. Mas, não. Deu-lhe uma roupagem mais galaico-portuguesa, aproximando e encurtando este país pela interpretação musical.

Daniel Pereira Cristo, para além de fiel às suas raízes, é também um músico grato às heranças culturais que nos deixaram. Um legado ao qual ele tem absorvido o que há de melhor, para depois o recriar e ele próprio nos deixar um reportório ainda mais enriquecido.

Quem ouvir “De não saber o que me espera” na voz do grandioso Zeca Afonso, música editada no álbum “Fura Fura” em 1979, e depois ouvir a versão que Daniel Pereira Cristo fez para este seu novo EP entende que não é um simples “cover” do original. É muito mais! É ter a ousadia de pegar num tema dos menos conhecidos do mestre e dá-lo a conhecer nos dias de hoje com uma frescura ainda maior, sem fazer perder o sentido e a mensagem original.

A par disto, Daniel Pereira Cristo brinda-nos no novo EP com dois temas novos, com letra de Tiago Torres da Silva e arranjos do seu produtor Hélder Costa.

“No País de Alice”, Daniel Pereira Cristo revela a sua paixão por temas que marcaram a minha infância. Hoje, com 52 anos, das memórias mais gratas que tenho são os dias em que regressava da escola e, em casa, na telefonia, já depois do 25 de Abril de 74, ouviam-se José Mário Branco, Zeca Afonso, Sérgio Godinho entre tantos outros. Quando ouço “No País de Alice”, o Daniel Pereira Cristo faz-me recuar precisamente a esses tempos de meninice, onde os trabalhos de casa eram feitos ao som do rádio com estes músicos que marcaram o antes e o pós-Revolução de Abril. Na verdade, até ouso dizer que o Daniel Pereira Cristo, em “No País de Alice”, reinventa a antiga cantiga de intervenção, sem nunca lhe fazer perder a essência.

Já no tema “Fazer o Pino”, vejo toda a infância de Daniel Pereira Cristo. Imagino-o no meio dos instrumentos e dos membros do Grupo Origem Tradicional, onde cresceu, brincou, experimentou e absorveu o tanto que é hoje. “Fazer o Pino” podia ser um tema popular de qualquer aldeia minhota. Mas, não. É da alma do Daniel Pereira Cristo.

Por tudo isto, muito obrigado pela tua música. E nunca te esqueças do que Virgínia Woolf disse um dia: “A vida é como um sonho; é o acordar que nos mata”. Que a tua carreira seja sempre um sonho sem nunca acordar! Quem tem medo de Virginia Woolf?

 

José Carlos Ferreira
Jornalista

 

 

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