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Viagem até Fafe

Após dois meses a passear pelas praias de Vila do Conde, apreciando o seu património, a sua excelente gastronomia e as suas gentes, este é o momento de ir até ao interior.

Que me recorde, nunca aqui vos falei de Fafe, o que constitui uma grave falha da minha parte que, agora, estou pronto a corrigir.

Antes de nos aventurarmos, tenho que vos confessar um pecado… grave: eu nunca achei piada à cidade de Fafe, por a considerar demasiado dos nossos tempos, ou seja, sem um monumentosito que nos enchesse a alma… Perante todos vós, quero-me redimir desta falha e fazer um elogio público e uma homenagem póstuma a Miguel Monteiro que, com muita paciência e dedicação, me fez olhar para Fafe com olhos de ver. Também não posso esquecer Jesus Martinho, o alentejano mais fafense que conheço, que nos guiou sabiamente pelo património concelhio com uma paixão fora do comum.

Feito este reconhecimento, chegou agora a minha vez de vos levar até Fafe, onde o estacionamento não é difícil de encontrar. A proposta que vos faço, desta vez, é ver casas, qual agente imobiliário. E aqui, em Fafe, as casas são muito especiais. Chegados ao centro da cidade, tentem encontrar uma casa revestida a azulejos verdes e amarelos. Não é difícil. Estas cores são representativas de que país? Do Brasil, exatamente. Aqui em Fafe não faltam as chamadas casas de “brasileiros”, edificadas por fafenses que no século XIX saíram novos para o Brasil, onde fizeram fortuna, regressando depois à sua cidade, para a fazer crescer, dotando-a de modernidade. Para seu lar, construíram casas com linhas tropicais, para atenuar as saudades das terras de Vera Cruz. Para além de escolherem azulejos verdes e amarelos, alguns trouxeram os esboços apalaçados das casas que tinham no Brasil para aqui reproduzir, ou então escolheram a arquitetura dos grandes palácios europeus, onde gostavam de passar férias. E, se olharem bem, também não falta a palmeira no jardim, que também veio com eles na bagagem.

Se hoje olhamos para estas casas com admiração, não julguem que foi sempre assim. O nosso escritor Eça de Queirós foi bastante mordaz para com os nossos “torna viagem”. No seu livro “Farpas”, diz que o emigrante brasileiro é “grosso, trigueiro com tons de chocolate, pança ricaça, joanetes nos pés, colete e grilhão de oiro, chapéu sobre a nuca, guarda-sol verde, a vozinha adocicada, olho desconfiado e um vício secreto”. Mas, a língua viperina do Eça não se fica por aqui. “É o brasileiro (…) senhor de todos os prédios grotescamente sarapintados, o frequentador de todos os hotéis sujamente lúgubres, o namorado de todas as mulheres gordalhufamente ridículas”.

Hoje reconhecemos que os “prédios grotescamente sarapintados” são obras notáveis de arquitetura e estão, nos nossos dias, repletos de histórias para contar. Exemplo disso mesmo é o palacete que alberga agora o Arquivo Municipal de Fafe. Construído em 1912 por João Alves de Freitas, este palacete foi edificado com o dinheiro resultante do negócio da borracha. O seu proprietário tinha uma concessão de 800 milhões de metros quadrados de exploração de borracha no Brasil, o que representa, para termos uma ideia, aproximadamente o tamanho de Portugal. Por causa da subida das águas do Amazónia no inverno, a exploração parava e João Alves de Freitas vinha a Fafe, para o seu palacete, passar férias. Mas esta é apenas uma de tantas casas de brasileiros que compõem o centro histórico de Fafe. Ao andar pela rua deixo-vos um conselho. Olhem para os beirais dos telhados. Alguns têm decoração na parte inferior das telhas. É um pormenor que passa despercebido a quem não acha graça a Fafe, como eu achava.

Antes do regresso a casa, apenas uma lembrança, uma vez que esta é do conhecimento de todos. Não se esqueça de ir comer a belíssima vitela assada, o prato mais típico deste concelho. 

 

José Carlos Ferreira
Jornalista

 

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