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D. Jorge Ortiga: «Turismo de Braga depende de uma estratégia de unidade»

O turismo religioso é um dos grandes atrativos da cidade de Braga. Existem vários locais de culto e celebrações religiosas singulares e de grande dimensão que se constituem como verdadeiros pontos de interesse para os visitantes. O Arcebispo Primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, em entrevista à Revista Minha, revela como o turismo religioso da cidade contribuiu para esta nomeação, que benefícios irá colher e qual a estratégia a ser adotada no futuro.

 

Braga foi nomeado “Destino Europeu em 2021”. E, particularmente, o turismo religioso tem um grande potencial na cidade. Quais são as propostas disponíveis, em termos de turismo religioso? São inúmeras as potencialidades do turismo religioso. Há alguém com responsabilidades na cidade que refere que o turismo religioso, em Braga, já não tem a importância que teve no passado, mas é de inteira justiça reconhecer que, na verdade, o turismo religioso é uma parte constitutiva daquilo que o turismo é e naquilo que poderá vir a ser no futuro. O turismo religioso não se explica só pelas manifestações de fé, procissões ou ações similares. Está, intrinsecamente, ligado a um património. No contexto de Braga, é inquestionável. A nossa cidade sem o património religioso não tem sentido e significado. Os nossos turistas visitam-nos e querem encontrar diversidade. Vejo o turismo como uma realidade poliédrica, com várias vertentes e todas elas importantes. Quando queremos eliminar uma, estamos a deturpar todas as restantes. O turismo tem de olhar para o património material e imaterial, para a paisagem, para o ambiente, para as infraestruturas de acolhimento, para a segurança, para a gastronomia e para a vertente humana, na qualidade do nosso povo. E o turismo religioso é constitutivo de um turismo que se pretende que tenha qualidade e cada vez mais atrativo aos olhos de quem nos visita.

Qual o papel da Igreja Católica, em termos de acolhimento e acompanhamento aos turistas? Temos uma estrutura muito bem organizada e que parte, essencialmente, da base. Neste momento, estamos a preparar um guia, numa edição bilingue, com as igrejas que o turista pode visitar. Encontra-se em fase de conclusão e estará disponível em breve. Uma igreja, por si mesma, já é um local de acolhimento, mas temos alguns espaços com pessoas preparadas, outros, infelizmente, não têm contado com esse apoio. Gostaríamos, obviamente, de ter gente capacitada no sentido de dominar o inglês, para poder entrar em intercâmbio. Mas penso que o acolhimento passa muito pela estrutura de cada igreja. Por aquilo que oferece e pela condição em que se encontra. E é de inteira justiça reconhecer o esforço imenso que as diversas entidades – confrarias e paróquias – fizeram no sentido de restaurar o património material religioso de Braga. Está muito bem conservado e, neste aspeto, não podemos ignorar o trabalho efetuado pela Igreja. Este é um fator importante para que a Igreja se envolva no acolhimento das pessoas. Depois, noutro contexto, temos que valorizar as nossas festas e celebrações.

 

Acredita que os turistas que procuram destinos com um enorme potencial religioso, como é Braga, são movidos, essencialmente, pela fé? Não tenho dúvida nenhuma. Existem diferentes segmentos do turismo. Pode ser comercial, intelectual, entre outros. Mas existem muitas pessoas que nos visitam, movidas pela própria fé. A Sé Catedral e o Bom Jesus do Monte são locais muito procurados pelos turistas, não só pelo seu património, mas, sobretudo, por aquilo que significam, e existem pessoas de todo o mundo que visitam estes locais com a necessidade interior de manifestar a sua própria fé. Inclusive, grupos de turistas que trazem um sacerdote com eles e que marcam, previamente, a celebração da eucaristia. E são muito aqueles que perguntam nas unidades hoteleiras pelos horários das eucaristias. É importante sublinhar, também, neste propósito a ligação com Santiago de Compostela e Fátima.

 

Há quem defenda que o turismo religioso é um tipo de turismo independente do turismo cultural. Outros definem-no como um segmento do turismo cultural. Qual a sua opinião? A religião também é cultura. Uma fé sem encarnação na própria cultura não é fé! É uma espécie de abstenção. A cultura é o nosso modo de viver e vejo o turismo religioso como a expressão da sua própria fé. Não são realidades antagónicas, antes pelo contrário. Exigem-se e reclamam-se uma à outra. É fundamental que haja esta ligação!

 

O Bom Jesus do Monte é um dos locais mais visitados ao longo do ano por turistas vindos de vários pontos do planeta. O facto de ter sido também declarado Património Mundial da Humanidade influenciou esta nomeação de Braga para Destino Europeu 2021? Estou plenamente convencido que sim. O Bom Jesus já tinha uma procura muito grande e com a Declaração de Património Mundial da Humanidade impôs-se de uma forma muito mais acentuada nos roteiros dos turistas. E o futuro, com certeza, irá encarregar-se de mostrar esta realidade. A pandemia impediu um ritmo crescente que já existia, mas quando todo este problema passar, voltaremos a observar este desenvolvimento turístico. Neste âmbito, é de enaltecer e reconhecer o esforço desenvolvido pela Confraria do Bom Jesus para esta conquista. Não foi fácil garantir este estatuto, mas temos orgulho e vaidade nesta designação, que é muito importante para a cidade.

 

Não teme que o progressivo desenvolvimento do turismo religioso possa incorrer na banalização dos locais religiosos? Infelizmente, é uma realidade que, aos poucos, já vai acontecendo, principalmente, pelos turistas que olham para estes locais da mesma forma que olham para qualquer outro sítio. Mas, na sua maioria, as pessoas entram numa igreja ou numa Catedral com o intuito de ver e conhecer uma determinada história. Com uma atitude curiosa de diálogo com uma cultura plural. Podem ser de outra religião, mas têm interesse em conhecer aquilo que acontece na religião Católica. Há, neste sentido, uma grande responsabilidade da nossa parte para garantir que os turistas possam visitar estes locais, mas que o façam de uma forma pacífica, sem banalizar os espaços.

 

Em termos estratégicos, o que defende para o turismo religioso em Braga? Braga tem que assumir definitivamente uma estratégia de unidade entre as diversas estruturas para que o turismo se possa impor. Só conseguiremos mostrar as potencialidades existentes em Braga, se tivermos a capacidade de trabalhar em rede. Temos que englobar todas as vertentes e, neste momento, não estamos a trabalhar nesta lógica. Tenho pena que não haja, atualmente, uma colaboração mútua. Braga sairia a ganhar e poderia mostrar muito mais se pudéssemos conjugar os diversos valores e respeitar os diferentes espaços. Braga, para além de todo o seu património Renascentista e por tudo aquilo que oferece em termos de modernidade, é uma cidade romana e uma das poucas que se pode apresentar ao mundo com este testemunho. A Arquidiocese de Braga tem um projeto que ainda não conseguiu concretizar, por mais esforços que tenha desenvolvido, que passa por desenvolver um Centro Interpretativo Romano, a situar no Seminário de Santiago. Já foram feitas escavações, temos diversos elementos probatórios estruturantes daquilo que seria Roma naquela altura, o centro de Braga Romana. Um projeto que poderia integrar um itinerário romano, articulando diversas estâncias em rede. A candidatura foi efetuada e aprovada, está tudo preparado, mas não temos tido o auxílio devido. Se é importante trabalhar, por exemplo, a área arqueológica das Carvalheiras, com os estudos já efetuados, considero que este projeto do Centro Interpretativo Romano deve ser, igualmente, apoiado. Deve prevalecer essa estratégia de interligação entre as diferentes entidades. Se não o fizermos, cada um ficará com o seu património, mas nunca conseguiremos dar uma imagem real daquilo que é a cidade de Braga. A Arquidiocese de Braga manifesta interesse em contribuir para que Braga se apresente a quem a procura, pela sua qualidade e integridade. Esta nomeação de Braga como destino Europeu para 2021 é fruto do trabalho de muitos e tem que continuar a ser. Não pode existir um único protagonista. É necessário dialogar, convergir e interligar muito mais as ações de trabalho. Braga merece, em relação ao turismo, um trabalho de combinação entre diversos intérpretes. Porque Braga pode ainda ser muito melhor! E será muito melhor se prestar atenção a todos os elementos. Não podemos dizer que o turismo religioso foi importante. Ainda é importante, hoje em dia. É uma marca de Braga que a cidade deve ostentar com orgulho.

 

Que efeitos tem tido esta pandemia no turismo religioso? Tem sido um autêntico desafio e uma verdadeira perplexidade, na medida em que os gastos são permanentes e tudo aquilo que poderia gerar receitas, simplesmente, deixou de existir. Há, no entanto, uma atitude de esperança na recuperação. Houve muita gente afetada com esta pandemia e gostaria de deixar uma palavra de gratidão, alento e coragem a todos aqueles que trabalham nas áreas da hotelaria e restauração. São dois setores em dificuldades e que vivem dias difíceis. Não desanimem. Tentem repensar os seus serviços para que depois os possam apresentar com distinção, originalidade e grande gosto pela tradição, através da arte de bem receber e de uma gastronomia que é tão peculiar e elogiada, com sabores únicos, tão nossos e que nos carateriza e potencializa um pouco por todo o mundo.

 

Um dos momentos altos é a Semana Santa. Não celebrar esta solenidade pelo segundo ano consecutivo é um grande revés? A Semana Santa é um exemplo daquilo que é o Turismo Religioso. Procura reproduzir elementos antigos da história das procissões, adaptando a situações atuais. É um misto daquilo que é a igreja e tudo o que envolve a própria cidade. Já em 2020 não foi possível realizar as procissões, que são o elemento mais vistoso, mas não o único. O essencial da Semana Santa acontece dentro da Sé Catedral. E tem sido consolador e desafiante ver o número crescente de turistas a participar nas celebrações da Sé Catedral. Tivemos que utilizar, inclusive, o francês e o inglês, e não estávamos habituados a isso. Tivemos que nos adaptar. As consequências são difíceis de calcular. Mas o mais importante, é termos ânimo e forças para recomeçar com coragem, sabendo, efetivamente, que estamos a trabalhar para uma causa, que não é da Igreja, mas de toda a cidade. Tenho um certo orgulho e vaidade em dar continuidade a todo o trabalho desenvolvido por todos os arcebispos que construíram a cidade de Braga. Gosto de alguns títulos que são utilizados para nos distinguir, como “Cidade dos Arcebispos” ou “Roma Portuguesa”. É fundamental potencializar estes rótulos porque promovem interesse e diferenciam-nos de outros destinos. E uma cidade que não olha para as suas raízes, para a sua história, uma cidade sem memória, que não reconhece um trabalho feito no passado e que, hoje, alguém quer continuar e preservar, é impossível pensar no futuro e num desenvolvimento harmónico da vida de uma comunidade. Por isso, é que defendo o trabalho em rede, em colaboração e no respeito por toda a diversidade de responsabilidades.

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