Opinião

Aqui não há dogmas!

Tive o privilégio de ser aluno do Professor José Eduardo Lopes Nunes no seu último ano enquanto docente de mineralogia, disciplina da licenciatura em Geologia na Universidade do Minho. Não fui um bom aluno nem assimilei muitos dos conhecimentos transmitidos pelo Professor. Culpa minha, fruto da imaturidade de quem está a sair da adolescência e de quem ainda não tinha descoberto o gosto pela geologia. O Professor repetia uma frase, não em cada aula, mas em número suficiente para ser essa, para nós, a sua frase de marca: “Aqui não há dogmas!” Era o que ouvíamos sempre que o Professor percebia, pelos nossos olhos semicerrados, sobrancelhas levantadas e bocas abertas, que não estava a conseguir explicar-se ou que não estávamos a compreender. “Aqui não há dogmas”, dizia ele sempre que nos queria explicar que não é suposto aceitarmos o que está a ser dito, apenas por o emissor ser alguém de grande reputação e conhecimento. Por isso vos digo, apesar da minha reputada inteligência, não aceitem acriticamente tudo o que aqui escrevo. Em ciência não há verdades absolutas, tudo tem de ser explicado e preferencialmente compreendido. A frase Aqui não há dogmas! ficou na minha memória, mas a compreensão do seu significado chegou mais tarde. Muito como o gosto pela geologia, tardou, mas chegou. Já o gosto pela mineralogia ainda não o encontrei, nem mesmo perante a possibilidade de os minerais me poderem alinhar os chacras. Já na fase final da minha formação enquanto futuro geólogo iniciei um estágio no antigo Instituto Geológico e Mineiro com o geólogo José Feliciano. Não foi o primeiro contacto, mas foi o mais próximo com um geólogo que se movimenta como um peixe na água entre o mundo académico e o profissional. Era cristalino o seu amor pela geologia, tanto ao falar dos diamantes de Angola como do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão em Portugal. Nas nossas viagens entre S. Mamede de Infesta e Vila Nova de Paiva, pude conhecer um homem apaixonado, talvez mesmo obcecado com a sua profissão, característica tantas vezes associada aos cientistas. Com esse foco, nunca perdia o Norte e a importância do pensamento crítico. Dizia-me com alguma frequência: “Jorge, devemos ter cuidado ao utilizar a expressão ‘está cientificamente provado’ e, do mesmo modo, devemos ter atenção quando alguém a diz.” Creio que o compreendi bem. À luz dos conhecimentos actuais, isto é o que sabemos, isto é o que podemos afirmar. Não podemos é permitir que o conhecimento cristalize e trave novos avanços. Do Professor José Eduardo Lopes Nunes ao geólogo José Feliciano, as aprendizagens foram muitas e fundamentais na minha formação enquanto geólogo, profissional e homem. Tento e quero imitá-los, não por ter nascido no ano chinês do macaco, mas porque creio já ter percebido que a ciência é colaborativa e construída sobre o trabalho de outros. É cooperando que os seres humanos prosperam. Em ciência não podem existir verdades absolutas e imutáveis, mesmo que sejam ditas pelos maiores e pela maioria dos cientistas. A existirem, estaremos, não no domínio da ciência, mas de algo que se assemelha mais à Fé.

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