Opinião

Invisível, como o sumo de limão

“A principal causa dos problemas no mundo é que os idiotas e os fanáticos estão sempre cheios de certezas, enquanto os mais inteligentes estão cheios de dúvidas.”

Bertrand Russell, em o Triunfo da estupidez

Certo dia, em 1995, na Pensilvânia, MacArthur Wheeler decidiu assaltar não um, mas dois bancos de cara destapada, tendo ainda a confiança de piscar o olho à câmara de vigilância. Wheeler acreditava ter o plano perfeito: usava sumo de limão para escrever de forma invisível em folhas de papel e acreditava que o mesmo poderia aplicar-se a si, pelo que espalhou o dito sumo de limão no rosto e seguiu caminho. Claro está que foi preso em pouco tempo, mas ficou perplexo quando percebeu que o seu plano não tinha funcionado.

A história de Wheeler parece uma piada, mas não é. Depois de um despiste a transtornos psiquiátricos, substâncias e testes de QI, David Dunning e Justin Kruger, dois psicólogos da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, investigaram o caso para concluírem que Wheeler não tinha nenhum problema cognitivo, era apenas profundamente incompetente.

Se eu tivesse de escolher um viés cognitivo de eleição, eu escolheria o Dunning-Kruger. Não apenas pela forma como foi descoberto, mas também porque nunca mais vamos olhar para as nossas capacidades da mesma forma a partir do momento em que o entendemos em profundidade. Quantas vezes iniciamos uma tarefa que avaliamos como simples para em pouco tempo percebermos que o grau de dificuldade ou talento que temos para ela não era bem o que esperávamos? Quantas vezes o exame correu de uma forma e a nota foi outra? Partilhamos mais com Wheeler do que esperávamos: uma imprecisão de avaliação das nossas habilidades e capacidades que nos acontece a todos numa base diária.

Depois de testes feitos com diferentes grupos de pessoas relativamente às suas habilidades e à sua perceção de performance nas mesmas, os resultados foram os esperados: o efeito Dunning-Kruger defende que os nossos níveis de confiança são inversamente proporcionais à nossa competência. Quanto menos sabemos sobre algo, mais altos são os nossos níveis de confiança por não sabermos o suficiente para avaliar a nossa performance. Claramente, quanto mais sabemos sobre um determinado tópico, mais percebemos as nossas limitações e tudo o que nos falta ainda conhecer, o que causa uma descida natural nos nossos níveis de confiança.

“Ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei.”

Platão, Apologia de Sócrates

Acredito ser justo assumir que o conhecimento nos traz humildade, mas o que me preocupa realmente e quero trazer para reflexão é a premiação social a que assistimos diariamente ao excesso de confiança.

O que nos deixa mais tranquilos, alguém que nos traz algum tipo de certeza ou um sincero “não sei”? A resposta tende a ser tão óbvia quanto a desconfiança que devemos ter das nossas perceções, especialmente quando sabemos pouco acerca do tema.

Deixar comentário