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Sem Treta

Hugo Veiga, “O melhor copywriter do mundo”

“Se uma mulher não acredita naquilo que vê no espelho, ou distorce aquilo que vê, se não acredita nas palavras de uma pessoa da intimidade dela, como é que uma marca vai conseguir provar-lhe o contrário?”

Hugo Veiga tem 39 anos e, não raras vezes, é apontado como o “melhor copywriter do mundo”. Não aprecia muito o título e sublinha que está sempre a aprender. Foi um dos criativos responsáveis pelo anúncio “Retratos da Real Beleza”, da Dove. O objetivo? Fazer as mulheres perceberem que são mais bonitas do que pensam. O projeto mudou-lhe de forma decisiva a carreira. A trabalhar no Brasil como Diretor Criativo da AKQA, Hugo explicou à Revista Minha que a criatividade dá muito trabalho.

O Hugo nasceu no Porto, mas tem família perto de Braga. Sim. A minha avó, que faleceu há poucos anos, morava em Vila Verde. Ia para lá muitas vezes, passava férias lá e, de vez em quando, claro que íamos a Braga, ao Sameiro e ao Bom Jesus passear, tirar fotografias, andar a cavalo… Tenho alguma relação com a cidade. Durante muitos anos também fiz atletismo e tinha muitas competições em Braga, ficava alojado lá, era lá que tinha alguns dos estágios.

E ainda tem um pouco sotaque do norte… Do Porto, sim, sim (risos). Eu falo português, mas já uso o gerúndio (risos), não tenho como fugir, mas mantenho o sotaque. Só está um pouco mais aberto, mais cantado (risos).

Há quanto tempo está no Brasil? Há 14 anos. Não continuamente, tive outras experiências fora, noutros países, mas há praticamente 14 anos que cheguei ao Brasil pela primeira vez.

Também esteve em Inglaterra, certo? Eu estive um ano a trabalhar na Alemanha e estive seis meses em Portugal. Quando mudei para a  AKQA, antes de abrir o escritório em S. Paulo, viajei por vários escritórios do mundo, eu e o colega que faz dupla comigo. 

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Quando frequentava o Ensino Secundário já sabia o que queria ser? Nessa altura? Não (risos). Tinha um aspeto que era bom e mau ao mesmo tempo: tirava cinco a todas as disciplinas. Tinha vários professores que falavam comigo e me diziam para ir para aqui ou para ali… “Tens de ir para Artes”, “és muito bom a Matemática”, “vai para Ciências”… Eu queria ser artista, adorava estar ligado às artes, mas os artistas com quem tinha contacto… (risos) Os meus pais não eram muito de ir a museus e exposições: os artistas que eu via era em feiras, pessoas a vender quadros e assim (risos). Homens meio barbudos e acabados (risos)! Eu olhava para eles e pensava que, se calhar, era melhor não ser artista (risos). A princípio segui a área de Economia, fui para Económico-Social. Mas fiquei de olho no Marketing, uma área que tinha estratégia, criatividade e comunicação, de que eu gostava muito.

E foi assim que se tornou copywriter, um pouco às escuras…  A profissão de copywriter não é muito conhecida. Na verdade, nem eu conhecia. Fui para a Faculdade, para Publicidade e Marketing e costumava ver aquele programa, o “1001 imagens”, que passava na TV2 e que mostrava imensos anúncios. Eu adorava publicidade e fui para o curso para fazer Marketing, mas sabia pouco do mundo, de como se criavam anúncios e todas as outras coisas. Mesmo na Faculdade, acho que só aí pelo segundo ano é que entendi como é que funcionava um departamento criativo, através de duplas: uma pessoa mais responsável pela parte de redação, de escrita, e outro que se ocupava mais da parte visual. Eu também gostava muito de escrever, por isso… 

“Não estamos sempre inspirados. Acho que a inspiração vem do trabalho. Em quase todos os projetos em que trabalhei, o momento chave em que se davam as ideias aconteceu depois de bastante tempo de imersão no tema do projeto.”

Até já tem um livro. Tenho um e estou a escrever agora outro. O primeiro era um livro de contos, este é um livro diferente, mais longo. Está a dar-me muito trabalho. Está a ser sofrido (risos)! É um misto entre Breaking Bad e Pulp Fiction, com algum humor negro. Passa-se em Buenos Aires e trata-se de um homem, um grande empresário, que perde tudo menos um lugar na sepultura da família, no cemitério da Recoleta. Ou seja, ele tem um lugar onde pode ficar quando morrer. Perdeu tudo, mas fala com um advogado e passa a morar no cemitério. Começa mais ou menos assim a história… Parece muito cómico mas, na verdade, não é lá muito. Hoje em dia escreve-se muito a pensar nas tendências, então geralmente é necessária uma personagem feminina muito forte, ou fala-se de diversidade, temas importantes para a sociedade atual. Este livro já não é assim, é uma simples história. Toca em alguns pontos fraturantes, mas não como tema central da trama.

Na Faculdade ganhou vários prémios, os famosos “Pintos de Ouro”, certo? Sim, são os prémios concedidos pela Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa. Quando cheguei ao Brasil tinha isso no currículo e a Diretora Criativa da altura ria-se e metia-se comigo: “mas você ganhou esses pintos? Tem esses pintos consigo?” (risos). Depois foi-me apresentar às pessoas, começou pelo departamento criativo da agência e dizia: “mininas, ele ganhou dois pintos de ouro” (risos). Claro que toda a gente se ria! Foi bom, tive ali uma boa publicidade (risos). Só me explicaram depois a conotação da palavra “pinto” no Brasil. Mas explicaram-me bem mais tarde! Às vezes a ignorância é mesmo uma bênção (risos).

E como é que ficou conhecido como “melhor copywriter do mundo”? Foi um prémio mesmo muito bom e deveu-se ao facto de, em 2013, ter ganho 23 “Leões de Ouro” em Cannes. Foi demais, nem eu tinha noção de que ia ser assim tanto! Mas esse título, bom, é a mesma coisa que alguém dizer de um estabelecimento que “é o melhor restaurante do mundo”. Não existe o melhor restaurante do mundo! A questão é esta: ganhei mais troféus naquele que é considerado o principal festival de Publicidade. Os “Leões de Ouro” são os óscares da publicidade e fui eu quem teve mais pontos, mais prémios. E aí, sim, fiquei em primeiro no ranking mundial. Mas daí a ser considerado o melhor copywriter do mundo vai um grande passo… Só que estávamos numa época em que Portugal estava em depressão económica, muito em baixo, e os jornalistas estavam a procurar histórias positivas de portugueses que estavam a conseguir atingir grandes feitos lá fora. Acho que acabaram por pegar nisso, mas é preciso esclarecer: eu fui o melhor do ano a nível mundial no Festival de Cannes, mas não me considero o melhor copywriter do mundo. Nem existe esse título. É quase como se fosse o melhor jogador de futebol no campeonato do mundo… Não passa a ser o melhor jogador do mundo, né?

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Ainda assim, há quem lhe chame “Cristiano Ronaldo da Publicidade”.  Considero-me um bom profissional, mas daí até ser o Cristiano Ronaldo da publicidade vai um grande passo (risos)! E eu até gosto mais do Isaías do que do Cristiano, ou melhor, identifico-me mais com ele, que chutava sempre, sem medo, para a frente. Ele tentava sempre, era “raçudo” e eu identifico-me com isso. Mas admiro a entrega do Cristiano, é muito esforçado, acho que é de longe o atleta mais completo a nível mundial. É muito difícil alguém manter-se assim num nível tão elevado durante tanto tempo, é incrível. O Cristiano é um produto de muito trabalho, muito esforço, e isso tem de ser reconhecido.

A criatividade também é produto de grande trabalho? Não estamos sempre inspirados. Acho que a inspiração vem do trabalho. Em quase todos os projetos em que trabalhei, o momento chave em que se davam as ideias aconteceu depois de bastante tempo de imersão no tema do projeto. É preciso conhecer a marca, o tema, o público, as pessoas com quem estamos a conversar. Depois é preciso encontrar um ponto de vista diferente sobre as coisas, um que faça quem está do lado de lá olhar e pensar que temos razão, que temos ali um ponto de vista válido. Uma coisa simples, um pontinho, uma luz. A simplificação das coisas exige muito trabalho, primeiro porque é preciso reunir muita informação e depois experimentar. É sempre por tentativa e erro. Não posso ir dar um passeio, ficar a contemplar a paisagem e esperar que me venha uma grande ideia à cabeça! Não, é preciso entrar nas coisas, procurar, pesquisar muito. Às vezes as ideias vêm quando estou a correr, ou no chuveiro, e não é à toa… Esse “momento eureka” não é um momento de inspiração, mas sim o momento em que já temos muita informação na cabeça, mas estamos tranquilos, não estamos a matutar. O cérebro continua a processar mas, para isso acontecer, precisamos primeiro de lá colocar informação. À medida que vais somando experiência, vais adquirindo uma técnica e ficas que nem um atleta. Quando um atleta está em forma, não é tão difícil para ele correr. Quando estamos sem fazer nada no ginásio há muito tempo e depois voltamos, a primeira semana é de dores, custa. A inspiração é um pouco assim: se estamos a trabalhar, se estamos num bom ritmo e estamos em forma, vão aparecer várias ideias porque estamos em forma. E, além disso, não podemos esquecer outra coisa no que diz respeito à inspiração. Enquanto um artista tem essa parte mais “inspiradora”, nós somos profissionais com prazos, temos que entregar as coisas a determinada hora. Se a “X” horas tenho de ter uma coisa pronta a ir para impressão, vou ficar à espera de inspiração? (risos) Não, é preciso sentar na cadeira e fazer acontecer (risos). É preciso fazer o melhor que se conseguir. Quanta mais experiência, melhor o trabalho. 

“Eu fui o melhor do ano a nível mundial no Festival de Cannes, mas não me considero o melhor copywriter do mundo. Nem existe esse título.”

Mas não nega que a criatividade tenha nascido consigo. Acho sou bastante criativo desde pequeno. Eu via pelas brincadeiras com o meu irmão, ele dizia-me para brincarmos desta e daquela forma e era eu a inventar as histórias, o “setup” da brincadeira. Mesmo em alguns projetos na escola, sempre fiz as coisas de forma um pouco diferente, como as apresentações. Uma das coisas que mais me irrita é a “mesmice”, o estar sempre a fazer a mesma coisa… Então procuro contar um boa história, mas a partir de formas diferentes. Para contar uma boa história não precisamos sempre de uma apresentação em Powerpoint, dá para fazer coisas diferentes. Cheguei a fazer apresentações mascarado (risos)! Hoje em dia adquirimos as técnicas: temos de saber captar o interesse das pessoas, estudar o público-alvo. Quando eu era criança não era assim. Quando era criança limitava-me a imaginar a reação que desejava provocar nas pessoas. “Eu quero que eles se riam. Então o que vou fazer para eles se rirem?”.

Nunca sentiu censura, mesmo quando era pequeno, por fazer as coisas de forma diferente? Já me senti várias vezes censurado. Até à Faculdade – para dizer a verdade, ainda durante bastante tempo quando lá andava – eu era o “palhaço de serviço”, mas acho que depois comecei a ser mais calmo. No trabalho sou mais reservado, hoje em dia procuro escutar mais as coisas e estar mais “na minha”. Não sei se é uma questão de maturidade, mas ainda tenho um palhaço dentro de mim que vou contendo. Ainda vou fazendo umas piadas, mas não tanto como antigamente. Ainda assim, uma coisa de que não tenho medo é do ridículo! Adoro o ridículo: quando me vejo numa situação ridícula, rio muito, acho muito engraçado. Rio-me de mim mesmo e das coisas. Nós, seres humanos, temos muito a mania das aparências – e agora com as redes sociais cada vez mais –, mas as coisas acontecem inesperadamente e é isso que nos faz humanos: os nossos erros, os nossos deslizes, isso é tão rico! Quando somos demasiado moldados pelo “ah, não posso fazer isso”, ficamos aprisionados e deixamos de ser nós próprios. Acho que o ser humano é ridículo por natureza, mas positivamente. Temos as nossas falhas e temos que assumi-las, levar a vida de forma mais leve. A incapacidade de nos rirmos de nós mesmos é um problema.

Como surgiram as ideias para o anúncio da Dove? Há quem diga que tem de ser uma mulher a fazer a publicidade de produtos que sejam para mulheres. Percebo a intenção, mas isso tem vantagens e desvantagens. Às vezes a mulher está tão imersa naquele mundo que é importante sair e colocar-se do lado de fora para ter um olhar que não está tão viciado nas coisas. O projeto da Dove tinha um briefing muito simples: a marca fez uma pesquisa e descobriu que apenas 4% das mulheres inquiridas se achavam bonitas. O briefing era este: “faça as restantes 96% sentirem o mesmo”. Eu adorei o briefing, era simples e direto. Queriam que as mulheres se sentissem melhor, mais bonitas, queriam elevar-lhes a autoestima. A primeira coisa que fizemos foi ligar para um amigo meu que é psicólogo. Estivemos uma hora ao telefone e ele esteve a tentar explicar-nos a psicologia feminina. Estivemos a tentar entender as mulheres… como se alguém as entendesse (risos)! A verdade é que também ninguém entende os homens, não é? (risos) Ele insistiu muito na questão de as mulheres, na sua maioria, serem imensamente autocríticas com a sua aparência. Um exemplo que ele deu: se uma mulher tem uma borbulha no rosto e se olha ao espelho, a borbulha já está a ocupar metade do rosto. Ela só vê aquela borbulha! Esquece tudo o que é positivo e perfeito no corpo dela por causa de uma coisinha, só atenta nos problemas, nos ligeiros “defeitos”. Muitas vezes, um pai, um namorado, ou um marido responde “não estás nada” ao “estou tão gorda” de uma mulher. E ele está a falar a verdade! Ele ama-a, seja ela como for, esteja ela como estiver. Para nós foi difícil, desligamos o telefone um bocado desanimados porque nos custava a compreender isso… Se uma mulher não acredita naquilo que vê no espelho, ou distorce aquilo que vê, se não acredita nas palavras de uma pessoa da intimidade dela, como é que uma marca vai conseguir provar-lhe o contrário? É curioso, o momento de inspiração aqui veio de um trocadilho. É este o absurdo da coisa, estamos a falar do projeto que mudou a minha carreira e eu estou a dizer-vos que a inspiração veio de um trocadilho (risos)! Nós estávamos a dizer que a mulher fala muito mal dela própria e depois lembrámo-nos dos “retratos falados”. Mergulhamos no mundo policial e fomos tentar perceber como é que eles eram feitos. No YouTube encontramos um vídeo de um agente do FBI a explicar em que consistia a técnica dele e percebemos que era daquilo que precisávamos. Apresentamos a ideia num concurso mundial, entre escritórios de agências que trabalham para a Dove, e o nosso projeto ganhou. 

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E longe de si imaginar a repercussão que ia ter. Sim, é o anúncio publicitário com mais visualizações até hoje no Youtube. É incrível, mas a verdade é que as visualizações também se compram. Na altura também chegou a ser o terceiro com mais partilhas. Não teve muito investimento em termos de publicidade, mas conseguiu grandes feitos. Houve muitas mulheres que se identificaram com o anúncio e para mim isso foi o mais importante. Quando o colocamos online, começamos a ver comentários de mulheres que assistiam e partilhavam porque o vídeo as tinha tocado, muitas partilhavam até situações da vida delas. Eu passava o dia a ler esses comentários (risos)! Prémios são importantes, reconhecimento é importante, mas ter um projeto que consegue tocar na vida das pessoas, isso sim, é o que mais me satisfaz. Não há dinheiro nenhum que pague isso.

E agora, projetos para o futuro? O grande projeto para o futuro é a AQKA em S. Paulo. O escritório que abrimos é um projeto de vida porque tem um lado humano muito forte. Quando recebemos o convite para abrirmos o escritório, recusamos, dissemos que não éramos business managers. Além disso, o mercado publicitário brasileiro tem muitos vícios, sendo que um deles é a “exploração” dos funcionários. Os criativos trabalham noites, fins de semana… e não têm muito reconhecimento. O que nós quisemos e propusemos foi um espaço experimental. Quais são os valores que consideramos importantes numa organização e de que forma isso vai tornar os nossos projetos mais eficientes e mais relevantes? Assim, formamos uma espécie de família: temos uma “mãe” que cuida de todos nós, faz o pequeno-almoço, várias coisas ao fim do dia, sopa para as pessoas levarem para casa… Evitamos trabalhar aos fins de semana, é mesmo raro, nunca fazemos noites e procuramos muito a eficiência no trabalho, de forma a que não existam esses vícios que já vimos noutras agências onde já trabalhamos. Procuramos mesmo ser muito eficientes e trabalhar com clientes que têm as mesmas ambições que nós. Um dos maiores problemas das agências de comunicação é os criativos quererem fazer uma coisa e o cliente querer outra. E ficam ali a perder tempo, vai trabalho para o lixo, há tensões… Encaramos os nossos clientes como parceiros, estamos ali para ajudá-los a serem uma marca melhor. Se eles não o quiserem, ou a coisa não estiver a resultar, nós próprios dizemos que o trabalho que requerem não é aquele que fazemos. Preferimos parar a parceria logo ali. Acho que neste momento é esse o projeto de futuro, que está a ir super bem. A AQKA está dentro de um grupo, a WPP, que é gigante. Eles chegaram a fazer um inquérito, uma pesquisa extensa sobre o que as pessoas acham das condições de trabalho: se sentem que o seu potencial está a ser aproveitado, se a liderança os respeita e motiva, se gostam e se identificam com os projetos… E nós de 0 a 100 recebemos uma classificação de 96, uma nota que nem na Faculdade tive! (risos) Quebramos todos os recordes da WPP e para mim isso é o maior prémio até hoje, o de termos criado um estúdio criativo “do zero”, onde conseguimos repensar o modelo de negócio. Colocamos as pessoas em primeiro lugar e isso também está a atrair negócio. Os nossos principais clientes são a Google e a Netflix. De todas as agências que abriram nos últimos dez anos no Brasil, nós somos a única que consecutivamente ganhou os principais prémios internacionais. Temos motivos para estarmos orgulhosos. Há sempre muita coisa a melhorar e ajustar, mas temos, pelo menos, uma boa base. 

É feliz? Sou feliz, muito!

 

 

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