Sem Treta

Colos vazios, colos adiados, colos reencontrados

Fotografia de capa: Karine Menezes

Duas simples riscas cor-de-rosa são capazes de transformar uma série de vidas: nascem os sorrisos, a alegria, as lágrimas de felicidade. Nasce ali, naquele momento, um pai e uma mãe. Há quem guarde a notícia por algumas semanas, há quem anuncie aos quatro ventos, incapaz de conter tanta felicidade: vem aí um bebé. Fazem-se análises, ecografias e exames. Compram-se roupinhas, berço, chupetas, sapatos pequeninos. Há quem faça obras em casa, ou procure outro local para viver de forma a acomodar melhor o novo membro da família. Mais do que comprar, ou reformular, constrói-se: um sonho, uma esperança. Em 85% dos casos, essa esperança surge, depois de quarenta semanas, sob a forma de um bebé. Os outros 15% também estão nas estatísticas e dão lugar a colos vazios.

“A maior taxa de insucesso obstétrico vai para o primeiro trimestre. Podemos ter 15% das gravidezes a colmatarem em abortamentos. Sabemos também que 75 a 80% das gravidezes que culminam em abortamentos se reportam até às 12 semanas de gravidez. No primeiro trimestre da gravidez, a grande maioria tem a ver com patologias genéticas. Isto significa que, se a gravidez evoluísse, iríamos encontrar patologias genéticas ou malformativas com genes normais”, explica Maria Luísa Ferreira Cardoso, médica Ginecologista-Obstetra no Hospital de Braga.

“Estamos cada vez mais tarde a engravidar e achamos que ter um filho aos 40 é igual a tê-lo aos 20. Não é! A partir dos 35 anos há uma queda drástica na fertilidade e uma muito maior incidência de abortamentos. Quanto mais a idade avança, maior a probabilidade de as mães terem hipertensão, diabetes, patologias várias. E depois há a questão da idade paterna!”

De acordo com a obstetra, a partir do primeiro trimestre, a percentagem de gravidezes que não evoluem diminui substancialmente, sendo que uma grande parte delas se deve a malformações do feto, como as cardíacas. No terceiro trimestre podem ainda acontecer os chamados incidentes obstétricos que, felizmente, são pouco frequentes.

“Costumo dizer que a obstetrícia tem os dois mundos: ou corre tudo muito bem, ou corre tudo muito mal. Não temos um meio termo. Esses incidentes podem ser cordões umbilicais enrolados, descolamentos de placenta, morte fetal in utero, ou mesmo o diagnóstico tardio de restrições graves de crescimento que levam os bebés a não sobreviver. E ainda temos o parto!”, indica.

A médica não pretende assustar ninguém, mas admite que, hoje em dia, ter uma criança a nascer “feliz e saudável” não é para dar como facilmente garantido. E Maria Luísa Cardoso aponta um fator muito concreto que dificulta este acontecimento.

“Estamos cada vez mais tarde a engravidar e achamos que ter um filho aos 40 é igual a tê-lo aos 20. Não é! A partir dos 35 anos há uma queda drástica na fertilidade e uma muito maior incidência de abortamentos. Quanto mais a idade avança, maior a probabilidade de as mães terem hipertensão, diabetes, patologias várias. E depois há a questão da idade paterna! Costumamos dizer que os homens podem ter filhos até à morte e é verdade, mas sabe-se hoje que algumas patologias podem estar relacionadas com défices importantes na qualidade do espermatozóide”, explica a Obstetra, acrescentando que a qualidade decai normalmente com a idade.

© Karine Menezes

O número de nascimentos em Portugal atingiu, no primeiro trimestre de 2019, o valor mais elevado dos últimos sete anos, de acordo com dados avançados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). No entanto, estes números não apagam o que está para trás: Portugal teve, segundo o Eurostat, em 2018, a quarta taxa de natalidade mais baixa da União Europeia. A corroborar as palavras de Maria Luísa Cardoso estão os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística: a idade média da mãe ao nascimento de um filho, em 2018, encontrava-se nos 32,1 anos. Em 1990, a idade média estava nos 27,1.

“Cada gravidez é uma gravidez. Ter um segundo filho aos 35 anos não é igual à primeira vez, quando as mães tiveram um bebé na casa dos 20. Até as mães sentem isso. A idade média das mulheres a quererem engravidar anda nos 38, 40 anos. Isto é a realidade. É assustador”, desabafa a médica.

A responsável diz ainda que, para além de todas as taxas assumidas e verificadas, também há aquelas que não chegam a ser transformadas em números: falamos dos casos em que uma mulher sofre um aborto sem sequer saber que estava grávida, passando essa perda por uma menstruação tardia e abundante. Maria Luísa diz que, se alguns avanços da ciência foram extremamente positivos, também têm um lado mais sombrio, como é o caso dos testes de ovulação. 

“Antigamente, das mulheres que estavam de seis ou sete semanas, poucas sabiam que estavam grávidas. Agora ainda não têm amenorreia e já estão com os testes malucos de ovulação, o que é péssimo. Causa-lhes uma ansiedade tremenda! Acredito que, no nosso dia a dia, 70% das mulheres possam ter estado grávidas sem se terem apercebido, sem passarem por aquela dor. A tecnologia tem o que é de bom e o que é de mau”, afirma.

“Pensei que quando engravidasse me ia libertar e isso não aconteceu. Contava os dias até às 12 semanas. Pensei que quando lá chegasse ia poder respirar fundo. Quando cheguei às 12 semanas, isso não aconteceu. Vivi uma gravidez na sombra da perda anterior, em sobressalto.”

Apesar de não serem garantia de uma gravidez de termo bem sucedida, há alguns cuidados que as mulheres devem ter. Maria Luísa explica que é necessário mudar a componente educativa porque, surpreendentemente, a maioria das mulheres ainda não faz consulta de pré-concepção.

“Essa consulta é de extrema importância! Serve, entre outras coisas, para tentar minimizar alguns problemas com acertos de medicação, verificar se é a altura indicada para engravidar… Há sempre coisas que têm de se acertar. Temos de vacinar as mulheres que não sejam imunes à Rubéola, ver como está a Hepatite B, fazer análises ao sangue, fazer acertos alimentares…”, explica.

Ainda em termos de educação, Maria Luísa considera crucial a informação sobre os números que nos dão conta de gravidezes não evolutivas porque, segundo a médica, e novamente devido aos avanços da ciência e consequente introdução de novas técnicas, uma grande parte dos casais ainda acha que consegue engravidar a qualquer altura.

Colos vazios, colos adiados

Ana Luísa Bárbara, Maria (nome fictício) e Carolina (nome fictício) são três mulheres que viram os colos adiados em circunstâncias bastante diferentes.

Maria não sabia que estava grávida. Uma menstruação com fluxo abundante e muitas dores associadas levou-a às urgências do hospital por três vezes. Das primeiras, foi para casa sem saber o que se passava e convicta de que estaria a passar por uma anemia. À terceira fez um teste de gravidez e pediram-lhe de seguida que acompanhasse uma enfermeira até uma sala mais resguardada.

“Acho que percebi logo pela cara da enfermeira. Confirmei quando me pegou na mão. Já passou mais de um ano e lembro-me como se fosse ontem porque a enfermeira foi extremamente meiga, ainda hoje estou agradecida por isso. Disse-me que estava grávida e que estava a perder o bebé. O meu mundo ruiu ali”, confessa, acrescentando que nos primeiros minutos só conseguiu chorar.

Esta era a segunda gravidez de Maria, na altura com 33 anos. Assim que se sentiu com forças, quis regressar ao trabalho, até porque em casa se sentia sozinha. Em Portugal, em caso de aborto, espontâneo ou voluntário, a mulher tem direito a uma licença de 14 a 30 dias, conforme a recomendação do médico. O pai não tem direito a baixa médica.

Também Ana Luísa Bárbara quis regressar à vida ativa mal conseguiu, depois de perder um bebé com 12 semanas. Descobriu na ecografia do primeiro trimestre que o filho não possuía batimentos cardíacos.

© Karine Menezes

“Eu engravidei a primeira vez com 27 anos e a segunda com 29, tudo gravidezes saudáveis. Engravidei outra vez com 32 anos, quando já tinha duas meninas, e foi quando tive a perda. Tinha a ecografia agendada, ligaram-me do hospital a pedir para antecipar e eu fui, tranquilamente”, adianta.

Ana ainda ligou ao marido que, por estar a trabalhar, não conseguiu deslocar-se ao hospital no novo horário. Foi então com a mãe e com a filha mais velha que, na altura, se encontrava adoentada em casa.

“Fomos chamadas para a sala, entrei e a minha filha sentou-se ao meu lado, com a minha mãe de pé. Consegui ver o bebé perfeitamente, estava com o desenvolvimento correspondente aos três meses, o coraçãozinho tinha deixado de bater há pouco tempo. A médica estava a magoar-me imenso, a carregar muito na barriga e a fazer muita força. Eu via o bebé e a dada altura perguntei se o pequeno estava a dormir. Hoje olho para trás e acho que fui mesmo inocente. A médica respondeu-me apenas: «não, o bebé não tem batimentos cardíacos»”, conta.

Ana, que exerce como Doula, afirma que a frieza foi imensa. Em choque, e sem acreditar no que estava a acontecer – até porque duas semanas antes tinha feito uma ecografia e estava tudo bem com o bebé – questionou a médica, perguntando se tinha mesmo a certeza do que estava a dizer.

“Foi um «tem a certeza?» com aquela esperança de mãe, a esperança de desejar que a médica tivesse visto mal, que me fosse dar outra resposta. Não era para pôr em causa a sua competência, porque eu vi que o bebé não se mexia. Chamou uma colega e disse-lhe para me confirmar, porque eu não acreditava nela. Foi horrível. Mesmo a forma como me foi dito, foi muito fria, terrível. Tenho a história toda na minha cabeça por ter sido mesmo horrível. Até lhe disse que não estava a desconfiar dela, só não estava a acreditar que aquilo me estava a acontecer!”, desabafa.

“Não sei explicar bem, é um sentimento de culpa que nos assola e não nos larga. Eu sei, racionalmente, que a culpa não é minha, mas não consigo pensar de outra forma, mesmo já tendo passado sete anos. Fico sempre a pensar: e se tivesse feito isto? E se tivesse feito aquilo?”

Confirmada a idade gestacional do bebé, foi dito a Ana Luísa que depois deveria ir a uma urgência para fazer a expulsão do feto. Ana diz que conseguiu explicar à filha o que se tinha passado, dizendo-lhe que o bebé tinha ido para uma estrelinha. A menina aceitou serenamente, “sem o peso da dor carregado pela mãe”. É precisamente por estes casos que a obstetra Maria Luísa não recomenda às “suas” grávidas levarem os filhos à primeira ecografia, sublinhando que a gravidez é muito grande e que “há tempo para tudo”. 

Ana concorda e explica que apenas levou a filha mais velha por lhe terem antecipado a ecografia, estando previsto ir só com o marido. Hoje em dia Ana Luísa já é mãe de Jasmim, uma bebé de cinco meses, e não levou nenhuma das filhas à primeira ecografia, precisamente por não estar tranquila. Tranquilidade não foi, aliás, coisa que tenha sentido durante a gravidez.

“Pensei que quando engravidasse me ia libertar e isso não aconteceu. Contava os dias até às 12 semanas. Pensei que quando lá chegasse ia poder respirar fundo. Quando cheguei às 12 semanas, isso não aconteceu. Vivi uma gravidez na sombra da perda anterior, em sobressalto. Tinha medo da perda e medo que mo comunicassem da mesma forma, medo de passar por tudo outra vez. Eram duas dores diferentes… É um choque e uma frieza tão grande!”, explica.

O colo necessário

Carolina teve uma gravidez normal, bastante tranquila, sem enjoos, azia ou quaisquer outras “maleitas”, como lhes chama. Estava grávida pela terceira vez: na altura com trinta anos, já era mãe de um casal e vinha a segunda menina a caminho.

“Foi uma bebé, a Madalena, muito planeada e desejada. Nunca tive complicações de saúde, os meus dois outros filhos nasceram de parto normal, tudo correu muito bem. Como já tinha acontecido nas outras gravidezes, enquanto o primeiro trimestre não terminou, não descansei. Sabia que até lá qualquer coisa podia acontecer… Apesar disso, contei à família antes de perfazer as 12 semanas”, diz.

Quase a fazer 39 semanas, e depois de sentir a bebé a mexer menos do que o habitual, Carolina ligou à Médica de Família. No Centro de Saúde não conseguiram detetar batimentos cardíacos e, pouco tempo depois, era confirmado no Hospital que Madalena tinha morrido. A causa de morte só viria a ser descoberta muito depois, através da autópsia: um nó no cordão umbilical. Carolina diz que, ainda assim, se sentiu culpada, com receio de não ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que a gravidez corresse bem.

“Não sei explicar bem, é um sentimento de culpa que nos assola e não nos larga. Eu sei, racionalmente, que a culpa não é minha, mas não consigo pensar de outra forma, mesmo já tendo passado sete anos. Fico sempre a pensar: e se tivesse feito isto? E se tivesse feito aquilo?”, questiona.

A culpa é um dos sentimentos partilhados pelas três mães, que lamentam também a falta de apoio que sentiram depois de terem perdido os bebés.

“As pessoas à minha volta, cheias de boa vontade, diziam muito que era porque não tinha de ser… Só que isso não me chegava! Diziam-me que a natureza sabe o que faz e é verdade, mas naquela hora não te consegues agarrar a isso, não chega para sarares as tuas feridas! Agora já consigo falar do assunto. E até gosto de me lembrar, de pensar que estive grávida de um menino”, diz Ana Luísa, que também soube com a autópsia o sexo do bebé.

Com Carolina, a história foi ligeiramente diferente. Não lhe falaram na natureza, mas alguns meses depois de Madalena ter morrido, houve quem esperasse que esta mãe vivesse como se nada tivesse acontecido.

“Quando regressei ao trabalho tive pessoas a dizerem-me que tinha de andar para a frente, que não podia estar sempre a lamentar-me. Disseram-me também que já tinha dois filhos e que devia estar agradecida. Na altura doeu-me muito, até porque não tive forças para dizer às pessoas que estavam a ser intrusivas”, explica. 

Quando engravidou, dois anos depois, escondeu a nova gravidez enquanto a barriga não a denunciou. Também diz ter vivido em pânico até se certificar, no dia do parto, que a filha, Carlota, agora com cinco anos, respirava.

“Como é que uma mulher que precisa do suporte do parceiro, num processo tão doloroso, e fisicamente a recuperar, não tem suporte conjugal nos primeiros dias? Na lei da paternidade temos tido avanços muito positivos e espero que um dia esta situação também seja revista.”

Sílvia Duarte é psicóloga clínica no Hospital de Braga e diz que é importante que os pais possam beneficiar de um processo psicoterapêutico, com espaço para manifestarem sentimentos  “absolutamente legítimos” de dor, raiva, frustração e culpa. No Hospital de Braga, qualquer grávida que tenha duas perdas gestacionais fica automaticamente a ser seguida na unidade hospitalar e qualquer grávida que perca um bebé com doze ou mais semanas tem direito a apoio psicológico. Idealmente, este processo piscoterapêutico deve ser feito pelo casal, até porque o pai também sofre, por muito que não o verbalize.

“Relativamente ao homem podemos ter dois tipos de situações. Existe o homem que assume o papel de forte e que não quer mostrar qualquer emoção, tem de proteger a mulher, até porque a nível físico ela é que vai passar por um processo de expulsão. E temos os pais que, por características de personalidade, conseguem verbalizar mais os seus próprios sentimentos… Na consulta é importante dar voz ao parceiro, para que o próprio consiga ventilar as emoções negativas, a dor sentida e, ao mesmo tempo, permitir que a mulher sinta que não está sozinha. Trata-se de um processo de luto partilhado”, explica, dizendo que frequentemente o pai é mais retraído. 

A postura silenciosa, aliada a outros factores, cria muitas vezes tensão entre o casal que, por vezes, dá por si a abafar sentimentos na esperança de que eles desvaneçam. A psicóloga explica que a consulta serve precisamente para reajustar o casal, permitindo que ambos falem abertamente sobre a situação, restituindo o equilíbrio emocional. Sílvia considera crucial que ambos consigam realizar um processo de luto normativo. No entanto, questiona se a legislação em vigor será a mais adequada. 

“Por exemplo, após uma perda gestacional, a mulher tem direito a um mês ausente da sua atividade profissional, a um subsídio por interrupção da gravidez, mas o parceiro não tem direito a nada. Como é que uma mulher que precisa do suporte do parceiro, num processo tão doloroso, e fisicamente a recuperar, não tem suporte conjugal nos primeiros dias? Na lei da paternidade temos tido avanços muito positivos e espero que um dia esta situação também seja revista”, afirma, com convicção.

Se quer apoiar alguém que esteja a passar por esta situação, a psicóloga também não recomenda as observações mencionadas pelas três mães, relacionadas com Deus, ou com a natureza. Afirma que, por muito boas intenções que as pessoas tenham, estão a desvalorizar a perda, não deixando espaço para um luto que é necessário e saudável. Maria Luísa Cardoso corrobora esta afirmação, dizendo que as mães “precisam é de muito colo”.

O direito a chorar

O padre Jorge Vilaça trabalha no Centro de Escuta e Acompanhamento Espiritual da Arquidiocese de Braga e as situações de pais em luto que lhe chegam às mãos são muitas. Diz que, independentemente da idade gestacional do bebé, os pais assumem sempre uma de duas posturas muito distintas.

“Em mais de 50% das pessoas que acompanho, o grande problema delas foi a religião, porque quando entra nesse nível de moralização, embota, impede a comunicação. A religião mal utilizada impede as pessoas de fazerem o luto. É um peso completamente desnecessário.”

“Temos o caso de pessoas com grande capacidade de integração da perda. Acho que facilita ligeiramente o luto quando já há outros filhos… Aí a integração não é mais fácil, mas é mais natural. E depois temos o caso oposto, tanto em termos de revolta, como até de perda de fé. Não conheço muitas situações intermédias. Uma das coisas mais evidentes é que a perda gestacional põe o casal em sobressalto, ou seja, passa a haver dificuldades entre os dois”, explica, corroborando as afirmações avançadas pela psicóloga.

O sacerdote já trabalhou em ambiente hospitalar e recebeu algumas vezes mães encaminhadas pela área de Psicologia. Como já tinha referido, também no que toca à fé as reações são distintas: há quem entenda a perda como uma vontade de Deus e há quem culpe Deus. De acordo com o padre Jorge Vilaça, ambas as reações são normais e saudáveis.

“Normalmente potencio a descrença. Na maior parte dos casos, a descrença é o ativar de um recurso de luta. Esses momentos não são momentos para moralidade, ou julgamentos éticos. São momentos para percebermos quais são os recursos que a pessoa tem disponíveis para lutar contra esta situação que lhe aconteceu. Muitas vezes o último recurso é a luta contra Deus! Culpar Deus é a forma de a pessoa deitar as garras de fora, de se agarrar a qualquer coisa. A única maneira de sobreviver a uma dor tão forte às vezes é revoltar-se contra alguém… E geralmente revoltamo-nos com os que mais amamos, não é?”, questiona.

A culpa também é um dos sentimentos que mais prevalece nas mães e pais que recorrem ao Centro de Escuta. Culpa por não terem evitado a perda, culpa por eventualmente não terem feito tudo o que seria necessário para salvar o bebé… e até culpa pela própria descrença que sentem durante o luto.

“Já tive muitos casos a carregar esse fardo. Em mais de 50% das pessoas que acompanho, o grande problema delas foi a religião, porque quando entra nesse nível de moralização, embota, impede a comunicação. A religião mal utilizada impede as pessoas de fazerem o luto. É um peso completamente desnecessário. E o modelo de Jesus não é esse! A aproximação de Jesus às situações de fragilidade não era essa”, afirma, convictamente.

Para o padre Jorge, o melhor que uma pessoa pode fazer se quiser apoiar alguém que está a passar por um processo de luto – independentemente da situação – é descentrar-se, socorrer-se da empatia e tentar calçar os sapatos do outro. E dar-lhe, sem sombra de dúvida, o direito a chorar.

“Não devemos abordar alguém de maneira heterocentrada. Se vou preocupado com o que vou dizer, vou dizer asneira. A única atitude que vale para todos os casos é a de nos descentrarmos. Temos que ir de coração aberto para percebermos em que ponto é que a pessoa está… Sem nos magoarmos com isso! Muitas vezes vamos cheios de boa vontade, queremos ajudar e a pessoa está num momento em que quer estar sozinha. A minha única obrigação, talvez, é ir lá amanhã e tentar perceber se continua a querer estar sozinha. A única coisa que acho fundamental do ponto de vista do acompanhamento é essa: temos que nos centrar no outro e não em nós. Acho que é uma atitude que neste momento não estamos a cultivar e à qual chamamos empatia”, conclui.

Quando necessário, o sacerdote e a equipa do Centro de Escuta também encaminham os casos que lhes chegam, seja para Psicologia, Psiquiatria, ou até para a Associação Projecto Artémis, no caso de perdas gestacionais. O Projecto Artémis é uma Associação sem fins lucrativos oficialmente reconhecida em 2005 e à qual foi conferida o  Estatuto de Pessoa Coletiva de utilidade Pública. Dedica-se a apoiar todas as mulheres vítimas de perda gestacional e tem como presidente a psicóloga Sandra Cunha. O Projecto Artémis, apesar de sediado em Braga, tem um consultório e fórum online aos quais podem recorrer pais de todo o território nacional. Se está a sofrer com uma perda gestacional, não hesite em contactar o seu Médico de Família, o Projecto Artémis (938 633 707), ou o Centro de Escuta e Acompanhamento Espiritual (253203180).

 

 

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