Sugestão de Leitura

A Casa dos Espíritos

Tinha 11 anos quando li pela primeira vez “A Casa dos Espíritos”, de Isabel Allende. Digo-o não para me gabar, mas para explicar que era demasiado imatura para perceber uma obra que, para além da ficção, tem uma forte componente histórica que eu pela altura ignorava. “A Casa dos Espíritos” marcou a minha entrada na literatura direcionada para adultos e foi o primeiro livro que me fez chorar inconsolavelmente.
Publicado em 1982, o livro retrata a saga da família Trueba, no Chile, ao longo do século XX. Um dos pormenores que eu desconhecia: a narrativa alude ao tempo histórico do Chile que culminou com o golpe militar de 1973 e que derrubou o presidente Salvador Allende. A história é contada por três personagens diferentes: Esteban Trueba, Clara (a esposa), e a neta do casal, Alba.

Na primeira parte do livro conhecemos uma Clara-criança diferente das outras crianças, dada a premonições capazes de assustar qualquer um. Uma das (acertadas) previsões que faz é a da morte da sua irmã Rosa, que já estava prometida em casamento ao jovem Esteban Trueba, decidido e ambicioso. Esteban estava a trabalhar numa mina com o objetivo de enriquecer e casar com Rosa, mas, com a morte repentina da amada instala-se numa fazenda abandonada, tornando-se num latifundiário… rico, poderoso e intratável. Uns anos depois, acaba por casar-se com Clara (tal como a menina também já tinha previsto!) e o casal passa a viver com a a irmã de Esteban, Férula. Da união nascem Blanca e dois rapazes gémeos, Jaime e Nicolás. Esteban, com ciúmes da relação da irmã com a filha, acaba por expulsar Férula de casa e enviar Blanca para um colégio interno. Quando a filha regressa a casa, apaixona-se por Pedro, filho do capataz da fazenda e líder da rebelião que os trabalhadores rurais preparavam contra o latifundiário. Blanca engravida e Esteban, iludido por motivações políticas, ambiciona casá-la com um conde francês, o que faz o casal enamorado tomar a decisão de abandonar o país. Blanca acaba por dar à luz Alba, uma menina de personalidade forte que seguirá as pisadas dos pais e continuará a luta pela justiça social, chegando até a ser presa e torturada.

O livro tem uma história muito interessante e personagens muito complexas, com relações ainda mais profundas: a aura de mistério de Clara, que possui poderes sobrenaturais, contrasta com o espírito selvático e indomável de Esteban; desta relação improvável parece ainda menos provável que tenha nascido uma criatura tão doce quanto Blanca; e Alba quase parece encarnar o espírito persistente da avó, a matriarca da família (e, para mim, a personagem mais importante da história). O livro está escrito de forma a cativar o leitor de forma quase imediata e os elementos de realismo fantástico tornam-no ainda mais mágico. Não é uma obra fácil e tem algumas passagens que retratam níveis de violência – físicos e psicológicos – absurdos.

Foi precisamente por algumas destas descrições – e pelas críticas muito diretas à injustiça social, à violência, ao terror vivido por tantos, à corrupção e a todas as formas de abuso cometidas durante a ditadura de Augusto Pinochet – que o livro foi censurado durante algum tempo. Foram incontáveis recusas até que uma editora de Buenos Aires decidisse lançar o livro, que depressa se tornou num best-seller. Foi eleito o melhor romance chileno de 1982 e Isabel Allende recebeu o Prémio Panorama Literário de 1983, seguindo-se muitos outros prémios e distinções internacionais. Em 1990, o livro foi adaptado para o cinema e contou com interpretações de gigantes cinematográficos como Meryl Streep, Antonio Banderas, Winona Ryder, Jeremy Irons e Glenn Close. Na minha opinião, o filme não faz jus ao livro… nem de perto, nem de longe! De qualquer forma, se por alguma razão não conseguir ler a obra, aconselho-o a ver o filme. Mais que não seja, para relembrar que realmente há poucas coisas mais importantes que a família, o amor… e o perdão. Boas férias!

Flávia Barbosa

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