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OMS diz que grávidas podem ter acompanhante no parto. A maioria dos hospitais em Portugal neste momento não permite

A Organização Mundial de Saúde, na sua página, afirma que todas as mulheres grávidas, incluindo as infetadas com COVID-19, têm direito a cuidados de qualidade antes, durante e após o parto.

Esta organização elenca vários direitos que a grávida mantém, mesmo durante a pandemia. Entre eles está o direito a ter um acompanhante à sua escolha presente durante o parto.

“A grávida tem direito a ser tratada com respeito e dignidade, ter uma comunicação clara por parte da equipa de cuidados de saúde materna, ter estratégias apropriadas de alívio da dor e mobilidade no trabalho de parto sempre que possível, e o poder de escolha da posição para a expulsão”, esclarecem.

Em Portugal, em declarações ao Jornal de Notícias, o subdiretor-geral da Saúde, Diogo Cruz, referiu que “os hospitais estão a levar à letra a restrição de visitas por causa da pandemia da Covid-19”. O responsável deu conta que, em breve, serão emitidas “orientações sobre esse assunto”.

O secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, afirmou ainda que é necessário “defender as grávidas e bebés”. Até à data deste artigo, nenhum parecer oficial por parte da Direção Geral da Saúde (DGS) tinha sido emitido, tendo as unidades hospitalares implementado planos de contingência diferentes no que diz respeito à gravidez, parto e pós-parto.

O Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga, numa informação disponibilizada às grávidas, refere que no bloco de partos não está autorizada a permanência de qualquer acompanhante. O mesmo documento explica que, uma vez terminados todos os procedimentos, será dada a possibilidade ao pai de visitar o bebé ainda no recobro, cerca de 20 a 30 minutos antes da saída para o internamento.

O mesmo serviço acrescenta que o acompanhamento durante o período de internamento será apenas possível mediante algumas condições.

“O acompanhante será apenas o pai do bebé, e uma vez dentro da ala de internamento não poderá sair do quarto atribuído, nomeadamente para realizar refeições. Serão fornecidas apenas as refeições principais pelo que é permitido trazer alguma comida para lanches. Este acompanhamento está apenas autorizado por um período de dois dias, pelo que, se houver necessidade de adiamento da alta, este período será feito já sem acompanhante”, pode ler-se.

O Centro Hospital Póvoa de Varzim – Vila do Conde ativou o Plano de Contingência e suspendeu temporariamente as visitas a doentes internados. No entanto, nas exceções a esta regra está o progenitor que pode acompanhar a grávida com acesso ao Bloco de Partos ou puérpera.

O Hospital de São João, no Porto, em nota publicada no site, explica que as crianças, os doentes em fase terminal e as utentes grávidas/puérperas poderão ter um acompanhante. A instituição alerta que os acompanhante serão sujeitos a procedimentos rigorosos à entrada da instituição.

 

“O que podem fazer? Reclamar e reclamar!”

Ontem, dia 26 de março, Mia Negrão e Ana Sanches levaram a cabo uma sessão online de esclarecimentos sobre os Direitos das Grávidas. Ana Sanches, de 33 anos e fundadora da página Dido & Co apresenta-se como mãe preocupada. Está grávida de 30 semanas. Mia é advogada, doula, formadora e instrutora de massagem infantil. Mia exerce advocacia integrativa em Direito da Saúde e ao longo dos anos tem-se dedicado a ajudar mulheres grávidas ou que já são mães. Na sessão, que durou mais de 1h30, inscreveram-se perto de quinhentas mulheres, muitas delas profissionais de saúde.

“Uma das coisas que mais se tem falado é da volatilidade do sistema imunitário das grávidas. A verdade é que elas não sofrem maior risco de serem infetadas, têm apenas de se proteger mais. Mas não estão no grupo de risco! Pelo que as evidências indicam, a COVID-19 não é transmissível na gravidez, nem durante o parto. Isto também significa que não é necessário fazer uma cesariana, mesmo que a mãe esteja infetada. A OMS também recomenda a amamentação, desde que a mãe esteja capaz”, explicou Mia Negrão.

A OMS também recomenda o contacto pele com pele entre o recém-nascido e mãe, mesmo que a mãe esteja infetada. Nesse caso a mãe terá sempre que utilizar máscara, lavar adequadamente as mãos e cumprir toda a etiqueta respiratória.

“Temos que ter em atenção outra coisa. Ter um parto respeitado significa que temos direito a acompanhante, que dispomos de estratégias de alívio da dor apropriadas e que temos direito à  mobilidade onde for possível, bem como podemos escolher a posição para conseguirmos parir. Estas recomendações da OMS não estão a ser cumpridas e não é de agora! Muitos pais e Doulas são obrigados a ficar de fora do quarto ou bloco quando se trata de um parto distócico”, sublinhou a advogada.

© Jonathan Borba

 

Ana Sanches, que concorda com o que Mia denunciou, explicou ainda que um dos problemas do momento, em plena pandemia, é não haver coerência entre o corpo médico, mesmo nos argumentos utilizados para não permitir o acompanhamento dos pais durante o parto.

“Um dos argumentos mais utilizados é o da proteção da grávida e do bebé. Se o pai está presente o tempo todo na gravidez e em casa, qual vai ser a proteção da mãe e do filho apenas por o pai não estar no hospital? Não faz sentido! Também há quem dê como argumento a proteção dos profissionais de saúde, até porque não há equipamentos de proteção para todas as pessoas e o acompanhante estaria a dispor de um que poderia ser utilizado por esses profissionais”, adiantou.

Sobre esta última informação, Mia questionou se os Hospitais deixariam o acompanhante permanecer no bloco se o casal levasse o equipamento de proteção de casa e aconselhou as grávidas presentes a questionarem as instituições hospitalares.

“O que podem fazer para além disto? Mudar de planos, mudar de Hospital e escolher um em que o acompanhamento seja permitido, como o da Póvoa. Devem também reclamar, reclamar e reclamar. Enviem e-mail, telefonem aos Hospitais e Direção Geral de Saúde”, afirmou. A DGS pode ser contactada através do e-mail [email protected].

As duas mulheres aconselharam as grávidas presentes a questionarem e falarem com os seus obstetras previamente para poderem avaliar as opções disponíveis. Durante a sessão foram muitas as grávidas a apresentar dúvidas e relatar situações inusitadas. Uma das mulheres, grávida de poucas semanas, revelou que foi aconselhada a abortar depois de se ter dirigido ao hospital com um sangramento, de forma a não dar à luz em tempo de pandemia.

Neste momento encontra-se uma petição na internet que já conta com milhares de assinaturas a apelar à permissão do acompanhante no momento do parto em tempo de pandemia. Mia explicou que esta petição não é válida, já que não possui o nome e número de Cartão de Cidadão dos peticionários. Ainda assim, aconselha os interessados a assinarem na mesma, já que “as assinaturas fazem o número e esse número tem muita força neste momento”.

 

Será, ainda assim, um momento mágico!

Apesar da tristeza com toda a situação, Ana e Mia fizeram questão de dizer às grávidas presentes na sessão que, sozinhas ou acompanhadas, certamente terão o parto como “um momento mágico”.

“O nosso corpo sabe fazer isto, já fazemos isto há muitos anos! Acreditem mais em vocês, conheçam bem o vosso corpo porque ajuda na hora do parto. Esse momento será mágico na mesma e será uma história irrepetível para contar um dia, se tudo correr bem”, afirmou Ana.

Ana Sanches chegou mesmo a equacionar o parto em casa, mas depressa mudou de ideias até porque, como indicou Mia, não há regulamentação sobre os partos em casa.

“Se anteriormente já era difícil ter uma ambulância à porta de casa, neste momento as coisas estão ainda piores. Se houver algum problema, como um descolamento de placenta, ou hemorragia pós-parto, não há ambulâncias para vos irem buscar, não vos atendem sequer o telefone. O parto em casa é um risco ainda maior neste momento. Lembrem-se que se alguma coisa correr mal, não há ambulâncias para vos ir buscar”, alertou Mia.

Preparação emocional e muita informação sobre o trabalho de parto são as principais recomendações destas mulheres às grávidas que podem realmente vir a ter os seus bebés sem a presença do acompanhante. Esta é também a opinião de Ana Luísa Bárbara, doula e fundadora da Braga Materna.

“Mais do que nunca, é fundamental sentir-se confiante e segura. E lembre-se, informação é poder, procure fontes credíveis e rigorosas. Faça preparação para o parto, pondere fazer o curso online. Conheça as orientações e boas práticas recomendadas pela OMS para uma experiência de parto positiva”, recomenda Ana Luísa.

Esta doula sugere ainda algumas leituras em português como “Nascer Saudável”, de Sandra Oliveira, “Estamos Grávidos. E agora?”, da enfermeira Carmen Ferreira, e “Parto Ativo”, de Janet Balaskas, livros também recomendados por Ana Sanches e Mia Negrão durante a sessão de esclarecimentos. Ana e Mia também recomendam a leitura do texto “O nascimento dos mamíferos humanos“, de Michel Odent.

De notar que as autoras Sandra Oliveira e Carmen Ferreira têm também abordado estes assuntos nas suas páginas de Instagram, locais onde as grávidas poderão obter apoio e informações.

“Conhecer a fisiologia do parto irá dar-lhes consciência de que ter um papel ativo é determinante no processo, bem como a capacidade de transmitir aos profissionais de saúde os seus desejos e escolhas para o parto. As mulheres sabem parir desde o início da humanidade. Confiem em vocês!”, apela Ana Luísa.

Ana lamenta ainda que as medidas não estejam uniformizadas, já que os planos de contingência variam consoante o hospital, e pede às grávidas que se informem junto das suas unidades hospitalares, relembrando que a informação está constantemente a ser atualizada.

“Nascer num cenário de pandemia foi certamente algo que as mulheres que se encontram agora no final da sua gestação não imaginavam há poucas semanas atrás. Nem elas, nem ninguém. A verdade, é que os bebés terão de nascer e esse é um momento que deverá ser preservado na sua individualidade e vivido de forma positiva e respeitada”, sublinha.

 

 

 

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