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Helena Pina-Vaz

Helena Pina-Vaz nasceu a 16 de junho de 1962, em Braga. Em criança sonhava vir a trabalhar “com pessoas”. Na adolescência, e com uma maior noção de carreiras profissionais, começou a apaixonar-se pela Sociologia. Ainda chegou a equacionar Arquitetura, mas diz que lhe faltava jeito para exprimir no papel as ideias que na cabeça fervilhavam. Tornou-se professora de Português. É diretora do Colégio Luso Internacional de Braga (CLIB) há mais de vinte anos, desde que um grupo de pais decidiu abrir a escola. 

O CLIB foi uma das primeiras instituições a assinar o protocolo com a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), em 2015. Desde aí já acolheu várias famílias que fugiram da guerra e da catástrofe. Para Helena, a experiência com as famílias refugiadas não é nova. Frequentava o Liceu Dona Maria quando, pouco depois do 25 de abril, começou a ter imensos colegas vindos de Angola e Moçambique. Apercebeu-se das dificuldades que viviam e não era raro vê-la a visitar a Prisão de Braga, entretanto desativada, e o Seminário de Santiago, onde ficaram alojadas muitas famílias. Levava brinquedos, livros e esperança.

“Se formos a ver bem, esta situação repete-se hoje em dia no Colégio. Tal como eu há quarenta anos, os nossos alunos começaram a ver as notícias sobre os refugiados, por volta de 2015, e agora têm alguns desses meninos como colegas de sala. Vivem a mesma experiência que eu vivi quando era jovem”, explica.

Helena rejeita quaisquer elogios ou parabenizações pelos trabalhos humanitários que leva a cabo. Diz que não é nada de extraordinário, que é algo tão natural que não seria sequer merecedor de uma entrevista! Vale-nos a sua boa disposição e a nossa insistência.

“Precisamos uns dos outros! É uma obrigação de todos ajudar o outro. Eu não acolheria estas pessoas sozinha, tudo isto é fruto de um esforço da comunidade. As coisas acontecem naturalmente quando as pessoas se juntam”, diz.

Para além do CLIB e da PAR, Helena Pina-Vaz é também presidente da Habitat for Humanity Portugal, uma Organização não-Governamental (ONG) internacional. A ligação ao projeto surgiu por causa dos alunos. A mãe de um dos jovens estava ligada à organização e Helena pediu-lhe que fosse ao Colégio apresentá-lo aos alunos. Foi amor à primeira vista: achou a iniciativa demasiado irresistível e, com um grupo de alunos, juntou-se a uma obra. A primeira experiência depressa se repetiu e, por volta de 2003, começou a frequentar a ONG com maior regularidade, até nas experiências internacionais. A determinada altura, foi convidada para assumir a direção. Desde aí que o CLIB – entre equipa técnica, alunos e pais – e a Habitat for Humanity arregaçam as mangas em conjunto por várias causas e casas.

Acho que chegamos a determinada altura da nossa vida em que temos, às tantas, de assumir que não precisamos de mais nada. Se não fizermos isso estaremos sempre num ponto de insatisfação! Quando assumirmos que não precisamos de nada, conseguiremos olhar para o lado para ver quem precisa de alguma coisa.

“Agradeço imenso às pessoas que se deixam levar porque só assim tudo isto faz sentido. Caminharmos todos juntos na mesma direção só pode dar bons resultados. Cabe-me a mim também espicaçar um pouco as pessoas”, brinca.

No início, a decisão de Helena causou alguma estranheza a familiares e amigos próximos. Porquê trabalhar mesmo nas obras se poderia oferecer-se como professora noutros projetos? “Porque era preciso”, respondia a diretora do CLIB, incansavelmente. O cansaço não parece realmente fazer parte do seu dicionário: chegou a ir para as obras de pé partido e engessado. “Sou incapaz de ficar parada. Passei bem por cima disso!”, brinca novamente.

A vontade de fazer mais – e como professora também – fez com que em 2011 fosse convidada a ir até uma aldeia do Camboja ajudar numa escola. Deparou-se com carências extremas a todos os níveis, não só de infra-
-estruturas. Voltou a espicaçar alunos e pais e partiu para a aldeia com alguns jovens sem pensar duas vezes.

“Envolvemo-nos na construção da escola da aldeia com o objetivo de recolher as crianças das lixeiras, onde recolhiam e vendiam o lixo. Por causa disso muitas vezes andavam sozinhas nas ruas e eram apanhadas nas redes de tráfico. Agora, das duas uma: ou estão na escola pública da aldeia, ou nesta que lhes completa o dia quando um professor falta ou não têm aulas. Não foi fácil convencer os pais das crianças: tiveram de abrir mão do pouco dinheiro que as crianças traziam com a venda do lixo. Mas o projeto compensava-os oferecendo-lhes o arroz necessário para o mês e os pais também começaram a valorizar as modificações nos filhos”, explica. 

Com o decorrer do projeto, os voluntários começaram a aperceber-se que, apesar das condições iniciais, havia muito bons alunos ali. Como trazê-los para Portugal era uma questão complexa, Helena avançou com a ideia dos padrinhos que os apoiam a partir do território português. Recentemente já há outro grupo que apoia os jovens que desejam matricular-se na Universidade. Neste momento formam um grupo de cinco: a primeira ingressou em Medicina, apesar de alguma resistência por parte de alguns habitantes da aldeia, que achavam ser suficientemente bom que fosse enfermeira.

Todos os anos Helena regressa ao Camboja com alunos. O projeto tem tanto sucesso que há listas de espera de um ano para o outro. As condições são “terríveis”, mas os alunos gostam muito da experiência, tanto que repetem. A Diretora sorri quando diz que os seus alunos acabam por sair beneficiados: apesar de emocionalmente muito forte, a experiência é “enriquecedora” e faz com que valorizem determinadas coisas que, de outra forma, tomariam como garantidas.

Helena tem bichos carpinteiros, por isso já se encontra mergulhada em novo projeto. Em conjunto com o Núcleo da Associação Pais-em-Rede de Braga, fundou a Associação Yay, com o objetivo de fazerem a inclusão completa de crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Alguns dos destinatários já frequentam o espaço do CLIB e o Colégio já se encontra a trabalhar num terreno que cedeu à causa para ampliarem o espaço. Mais uma vez, tudo aconteceu de forma muito natural, a partir de uma menina com uma doença rara que começou a frequentar o Colégio em “tempos mortos” para fazer algumas atividades. Hoje em dia, crianças nessa situação poderão vir a ter formação profissional, para que um dia possam integrar o mundo do trabalho.

A acompanhar Helena está sempre a família, o marido e dois filhos que a seguiram sempre para todo o lado. A vontade de ajudar corre-lhes no sangue: a mãe tem que proibir a filha de ir para as obras. A terminar a especialidade de Cirurgia, Helena explica que as mãos da jovem agora podem ajudar pessoas de outra forma. A filha não desiste e por isso está neste momento a ajudar a mãe com “papeladas” dos vários projetos.

Helena não tenciona parar. Não enquanto houver preconceito e necessidades. Em relação aos refugiados, não entende as pessoas que não se querem deixar esclarecer. Vê em cada um deles uma família como a sua e várias lições de humildade a retirar.

“Acho que chegamos a determinada altura da nossa vida em que temos, às tantas, de assumir que não precisamos de mais nada. Se não fizermos isso estaremos sempre num ponto de insatisfação! Quando assumirmos que não precisamos de nada, conseguiremos olhar para o lado para ver quem precisa de alguma coisa”, sublinha.

       

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